Leonardo Wiethorn Rodrigues

O Excesso De Formalismo Na Análise De Especificações Técnicas Quando A Finalidade Pública Da Licitação É Atendida.

Muito se vê pelos Tribunais Brasil a fora sobre questões relacionadas ao excesso de formalismo em análises de documentos e principalmente no exagero na interpretação num Edital, trazendo consequências no atingimento da proposta mais vantajosa para Administração Pública.
Excesso de formalismo nada mais é do que a não cautela por parte dos servidores públicos na seleção das empresas, acabando por infringir princípios licitatórios.
Já a proposta mais vantajosa, constante no Art. 3º da Lei 8.666/93, nem sempre será a que tiver o menor custo, mas sim aquela que atenda o propósito do certame dentro da possibilidade financeira da Administração.
Ou seja, o que se pretende buscar como resultado num processo licitatório é o atendimento da finalidade pública a que ele se destina, não esquecendo da economia que ele deve gerar ao erário.
E essa busca se inicia na fase interna da licitação, com a elaboração de Projeto Básico (Termo de Referência), o qual deverá caracterizar a obra ou serviço assegurando melhores resultados para Administração Pública.
É o que determina a Lei 8.666/93, em seu Art.6º, inciso IX e respectivas alíneas, senão vejamos:
Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se: (…)
IX – Projeto Básico – conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:
a) desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza;
b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem;
c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como suas especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;
Além disso, a Administração ao montar o seu projeto para futura aquisição/serviço deve se atentar para o não direcionamento de marcas, características e especificações exclusivas, como descreve o Art. 7º, inciso IV, §5º, da Lei 8.666/93:
§ 5o
É vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório.
Pois bem, e quando o Órgão licitante abraça o projeto de uma empresa X para licitar uma solução que engloba softwares e hardwares que somente uma fabricante disponibiliza sendo que no mercado há outras soluções tão melhores quanto? O exemplo aqui trazido ocorreu numa repartição pública.
O certo seria que após questionamentos e impugnações por parte de diversas licitantes interessadas, a própria Administração Pública revisse seus atos, porquanto estaria inequivocamente demonstrada a quebra do princípio da competitividade.
Mas não foi o que aconteceu, os questionamentos e as impugnações foram indeferidas e o procedimento licitatório seguiu o seu curso natural, sagrando-se vencedora empresa especializada no ramo há mais de 30 (trinta) anos, que possui uma solução tão boa quanto a solicitada no Edital e com a diferença de preço para o segundo colocado de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) por mês, contudo, sendo desclassificada na prova de conceito por justamente não deter o conjunto com as especificações feitas por aquele único fabricante.
Ilustrando o que foi exposto, é como se a finalidade pública que se buscasse fosse o monitoramento das ruas somente por uma solução X, sendo que as soluções Y e Z atenderiam tão bem quanto, mas não possuem as especificações idênticas a da X.
Ora, na atualidade em que vivemos na Administração Pública, onde as preocupações diuturnas são o enxugamento dos gastos com a máquina pública, não pode o ente exercer o formalismo rigoroso e em contrapartida dispender milhões de reais a mais apenas para cumprir por A mais B as especificações técnicas da solução listada no Edital.
O Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina julgou caso semelhante à vista dos princípios da razoabilidade e da economicidade a que a Administração Pública deve estar vinculada, senão vejamos:
MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO NA MODALIDADE CONCORRÊNCIA. CONCESSÃO DE USO DE RESTAURANTE PARA FORNECIMENTO DE REFEIÇÕES “SELF SERVICE”. IMPETRANTE ELIMINADA POR SUPOSTA FALTA DE ANUÊNCIA EXPRESSA COM O PREÇO DO ALUGUEL DAS INSTALAÇÕES. EMPRESA QUE DECLAROU NA PROPOSTA QUE “SE COMPROMETIA A PRESTAR OS SERVIÇOS CONFORME DESCRITO NO EDITAL E SEUS ANEXOS, BEM COMO ESTAR VINCULADA A TODAS AS CONDIÇÕES DA CONCORRÊNCIA”. CONCORDÂNCIA QUE PODE SER
ADMITIDA COMO CUMPRIMENTO À DISPOSIÇÃO EDITALÍCIA. AUSÊNCIA DE UM MODELO PADRÃO QUE PUDESSE SER USADO PELAS PARTICIPANTES. EXCESSO DE FORMALISMO QUE PREJUDICA O OBJETIVO COMPETITIVO DO PROCEDIMENTO E A SELEÇÃO MAIS VANTAJOSA À ADMINISTRAÇÃO, CONSIDERANDO QUE A VENCEDORA NÃO APRESENTOU O MENOR PREÇO. PLEITO MANDAMENTAL CONCEDIDO. VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. “É necessário ponderar os interesses existentes e evitar resultados que, a pretexto de tutelar o relativo interesse público de cumprir o edital, produza a eliminação de propostas vantajosas para os cofres públicos, razão pela qual as decisões devem ser tomadas com razoabilidade e dentro dos limites permitidos por lei” (MS n. 4017954- 89.2016.8.24.0000, da Capital, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 12-4-2017). (TJSC, Apelação Cível n. 0300383-94.2017.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, Primeira Câmara de Direito Público, j. 31-07-2018).
O Tribunal de Contas da União vem orientando que o fim de um processo licitatório é a busca da proposta mais vantajosa para a Administração e a garantia da isonomia, devendo o agente público pautar-se pelo princípio do formalismo moderado. Colaciona-se trecho do acórdão 357/2015-Plenário:
No curso de procedimentos licitatórios, a Administração Pública deve pautar-se pelo princípio do formalismo moderado, que prescreve a adoção de formas simples e suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dosa administrados, promovendo, assim, a prevalência do conteúdo sobre o formalismo extremo, respeitadas, ainda, as praxes essenciais à proteção das prerrogativas dos administrados.
Neste sentido, como nos ensina Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, “durante a seleção, a comissão de licitação deverá ter cautela para não infringir os princípios licitatórios”.
O que proponho aqui é uma discussão no sentido de auxiliar os servidores públicos em suas tomadas de decisões em processos licitatórios que, ao meu ver, no exemplo exposto, foi totalmente de encontro ao que se vê em julgados recentes Brasil a fora, quando se analisa o atingimento da finalidade pública a que a Administração se dispõe atrelada a economicidade ao erário.
A solução para esses casos provavelmente será dirimida com a nova Lei de Licitações, a qual possui nova modalidade de licitação, chamada diálogo competitivo, uma forma de licitação em que os governos chamam a iniciativa privada, para que as empresas apresentem possíveis soluções às demandas de contratação de serviços.
Este modelo de atuação será possível no caso de compras que envolvam inovações tecnológica, ou em situações em que o poder público não consegue definir as especificações técnicas com precisão.
Vale destacar que o Projeto de Lei nº 1292/95, que altera a Lei 8.666/93, foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 25/06/2019, dando a esperança que a nova Lei seja sancionada ainda em 2019.
A toda evidência, o excesso de formalismo não se coaduna com a tendência moderna da interpretação da Lei de Licitações, que vê o atingimento do interesse público como seu objetivo, com a flexibilização dos atos das comissões em consonância com os princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.

Leonardo Wiethorn Rodrigues
OAB/SC 26.459